quarta-feira, 11 de julho de 2007

No Mundo das Impressões

Nas minhas viagens pela Internet, sempre que ponho as noticias em dia e quando ainda me sobra tempo, gosto de espreitar, não só blogs mas também artigos de opinião dos media nacionais.

Num dos meus passeios pela Revista Visão, encontrei a crónica do jornalista Miguel Carvalho - A Devida Comédia. Adorei a forma como escreve este senhor e não me contive em trazer para este meu singelo espaço o seu último artigo. Faz-nos pensar na nossa sociedade actual e sobretudo faz-nos questionar: onde nos vai levar o mundo das impressões?


"Panela de impressão

Não sei se já repararam, mas as marmitas e os tupperwares voltaram às empresas.
Sem que alguma vez tenham saído das fábricas. Não se almoça, come-se qualquer coisa. Nos supermercados dos grandes centros urbanos, há gente a pedir aparas de frango e de fiambre.


No interior do País, famílias insuspeitas recorrem aos cabazes alimentares distribuídos pelas câmaras. Onde antes se tirava ao supérfluo hoje tira-se à comida. Os filhos, a creche, as distâncias casa-trabalho, o empréstimo, os ordenados baixos, os aumentos inexistentes, as miragens do amanhã que tarda, não garantem a dignidade nem dão asas aos desejos.


Mas os salários de miséria convivem amiúde com expectativas de grandeza. Marcas, empresas, estrategas de marketing, bancos, governantes, artistas, modelos, futebolistas, convencem-nos de que podemos ter a vida que não conseguimos pagar. Dizem-nos, insinuam, que podemos ter as férias do patrão. O gabinete e o bem bom. A casa, o carro e o relógio do chefe. Ir onde ele vai, frequentar o mesmo restaurante, o ginásio, o spa, o que tiver de ser. Ler o que ele lê para assim estarmos mais próximos da cadeira do poder. «Se ele pode porque é que eu não posso?!», perguntamos, indignados.


Grande civilização esta que democratiza a ilusão, mas esconde o preço para sustentar a miragem. No fundo, governos, empresas, bancos, dão-nos crédito ao sonho, mas dizem-se indisponíveis para ajudar-nos a pagar a realidade de todos os dias. E nós vamos na conversa. Queremos ser cada vez maiores e melhores. Belos, giros, modernaços, actualizados, ambiciosos.


Dantes, no tempo dos nossos avós, até a ambição era uma coisa feia, mal vista e frequentada. Tresandava a falta de escrúpulos. Hoje é condição obrigatória em anúncio de emprego no jornal.


Buscamos o amor e a paixão em livros de ocasião, as competências em manuais, as curas em técnicas orientais. Por vezes, no local de trabalho, dizem que somos indispensáveis. Falam de motivar equipas, libertar o génio que há em nós. Dão-nos cursos para nos tornarmos trabalhadores multi-qualquer-coisa, flexibilizar ritmos, encarar a insegurança na profissão como um desafio às nossas capacidades. Mas na mercearia, ao final do dia, ainda não aceitam elogios como pagamento.


Um dia, dizem-me alguns, ainda crédulos, isto vai estourar como uma panela de pressão. Lamento desiludir: não vai.


Ficcionamos a vida como uma série de televisão. E gostamos de nos ver assim. Sempre à espera do próximo episódio. Do final feliz que não vem com a realidade."


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